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A área da Matemática sempre foi considerada, para muitos, uma vilã que para ter seus conteúdos aprendidos era necessário uma grande habilidade ou inteligência. E não somente alunos sofriam com a matéria mas também professores que , sem saber como ensinar ou que metodologia seria mais adequada, repetiam o mesmo ensino pelo qual passaram: fragmentado, descontextualizado e com o treino como principal atividade.
Hoje sabemos, através de estudos , principalmente a Didática da Matemática baseada nos pressupostos piagetianos, que o aprendizado de conceitos matemáticos está ligado a "como" esses conceitos são apresentados ao estudante: sem ou com significado.
Contextualizar o problema, apresentar o desafio e validar as aprendizagens leva a criançada a construir com autonomia aqueles conceitos que , durante anos, foram apenas transmitidos e treinados nas escolas.
Neste blog, apresentamos artigos, experiências e propostas de atividades que, esperamos, proporcionem a reflexão sobre o ensino de Matemática.
Aproveitem!!!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A NEUROCIÊNCIA E A APRENDIZAGEM MATEMÁTICA


Deborah Arantes


O presente artigo discursa sobre a proposta da Didática da Matemática, teoria que tem suas bases nos estudos piagetianos, sob o olhar da neurociência. A neurociência, dentro de suas ramificações, como a neuropsicologia e a neuroeducação, traz valiosas contribuições à prática pedagógica. Mais do que conhecer como funciona o cérebro humano, sua fisiologia e função psicológica, cabe ao professor identificar como cada aluno aprende e, consequentemente, planejar sua aula de forma a atendê-lo em suas particularidades. O ensino da matemática, ao longo de décadas condicionado ao treino de técnicas e algoritmos, afastou a construção do conhecimento do aluno, não o considerando capaz de produzi-lo por si próprio utilizando amplamente suas funções cerebrais. O conhecimento era disposto de forma linear, segmentado , que o tornava sem sentido para o aluno.
Relacionando a Teoria das Situações (Guy Brousseau)¹ à neurociência, é possível compreender e estabelecer o verdadeiro papel da memorização como algo inerente à aprendizagem, com a função de reter conhecimentos para uso futuro, possibilitando conexões entre os saberes. “Sem memória os processos de aprendizagem estariam sempre a iniciar-se, estando em causa todo o processo de adaptação do ser humano. É a partir de aprendizagens retidas que se processam novas aprendizagens. É a memória que permite que as aprendizagens se mantenham e que possam ser usadas quando necessário” (CASTRO, 2004, p. 11)². A aprendizagem baseia-se em uma hierarquia de experiências, acontecendo em uma espiral dialética, com funções superpostas e interligadas.
Diante desse pressuposto, a Didática da Matemática traz a resolução de problemas como a essência da atividade matemática, em que é apresentado ao individuo um desafio possível de ser resolvido, que requer solução, em que a resposta pode ser única, porém o caminho para se chegar podem ser vários.  Nesses caminhos, o aluno utiliza conhecimentos prévios, ou seja, aprendizagem já retida, para chegar a um novo patamar de seu conhecimento.
Observando o momento histórico da proposta de Brousseau, um dos colaboradores de Piaget, a visão dominante no campo da Educação era essencialmente cognitiva, visto que seus estudos evidenciavam o papel central da ação no desenvolvimento,  a  originalidade do pensamento matemático e as etapas de seu desenvolvimento nas crianças, sem contudo observar como o aluno aprendia cada conceito e que relações a criança estabelecia entre elas para que existisse a aprendizagem. Esses fatos encaminharam Brousseau (1996) a “(...) um estudo mais profundo sobre as condições que levariam um sujeito a usar de seus conhecimentos para tomar decisões e a estudar as razões dessa tomada de decisão” (ALMOULOUD, p.2, 2004a)³. Surge assim, a Teoria das Situações. O pesquisador sugere o triângulo didático,


               SABER
                                                                      

                                               PROFESSOR                                 ALUNO

demonstrando, dessa forma, que o indivíduo aprende na relação com o objeto de conhecimento e com o meio. O professor age como mediador e facilitador da aprendizagem, deixando, num primeiro momento, que o aprendente percorra por si próprio o caminho que o levará a resolução do problema.
Analisemos cada situação descrita por Brousseau:
·         Situações de devolução: o professor propõe uma situação desafiadora, cujo conteúdo implícito propicie ao aluno levantar conhecimentos prévios.
·         Situações de ação: o indivíduo coloca em jogo o que sabe, escolhendo ou elaborando estratégias de resolução, fazendo tentativas na busca pela resolução.
·         Situações de formulação: em contato com o novo conhecimento, o aluno formula sua hipótese de resolução, buscando adequar sua linguagem e pensamento
·         Situações de validação: nesse momento a socialização da estratégia utilizada permite ao aluno elaborar o pensamento para transmitir da forma mais adequada o que pensou, fazendo uso de uma linguagem matemática.³
·         Situação de institucionalização: a intenção do professor surge nesse momento, dando sentido a esse conhecimento, sendo este último oficialmente aprendido pelo aluno e o professor reconhecendo essa aprendizagem. 
Durante atividades de resolução de problemas, com o objetivo de observar e analisar como as crianças estavam operando com determinados conceitos matemáticos, propus algumas atividades em uma sala de aula de 4º ano, em que os alunos, organizados em duplas, foram apresentados aos seguintes problemas:
Problema 1. “No supermercado havia a seguinte oferta: leve 4 pacotes de bolachas e pague R$3,00. Luciana levou 12 pacotes de bolachas. Quanto pagou por eles?”
Algumas resoluções:
       


     
Focando os estudos da neurociência, observamos que durante as situações descritas acima, as duplas de alunos estão diante de uma situação em que o cérebro precisa buscar aprendizagens anteriores (memória) e fazer relações com o que precisa ser resolvido (sinapses), reagindo aos estímulos do ambiente: mediação do professor, socialização (expressar-se com linguagem adequada em duplas e em grupos maiores), sendo a aprendizagem uma ação social. Diante de novos desafios, o individuo sente-se motivado e encorajado ao saber que poderá utilizar estratégias pessoais para resolver, fazendo associações entre experiências prévias e as atuais. Alunos com deficiência intelectual também foram apresentados ao problema e, utilizando o registro com desenho, conseguiram chegar ao resultado.
Outra situação:
Em uma lanchonete, João e Lucas pediram um sanduíche de presunto e queijo, um x-salada e dois sucos de laranja. O x-salada custava R$ 4,50, o sanduíche  , R$ 2,70 e os sucos, R$ 1,80 cada. Com R$15,00 foi possível pagar a conta? ”


Os alunos utilizaram conhecimentos de que dispõem: sabem que “reais” devem ser separados de “centavos” e concluíram que havia a necessidade de somar os valores obtidos. Segundo o ensino tradicional, esta operação seria considerada incorreta por não ter sido resolvida da maneira convencional. Porém, quando vamos ao supermercado, o mais prático não é realmente somarmos os “inteiros” e depois acrescentar os centavos? Isso exige de nós, adultos, competências que fomos adquirindo no dia-a-dia, ao realizarmos cálculos em situações cotidianas.  Podemos ignorar essa estratégia utilizada acima por não ser efetuada nos padrões convencionais do algoritmo, principalmente sabendo que este foi o primeiro problema apresentado à turma envolvendo números racionais?  Esta estratégia, após a validação, em que foi socializada juntamente com outras, e tendo surgido também o algoritmo convencional , foi bastante explorada em sala de aula, a fim de verificar sua potencialidade para resolver essas situações. Dessa forma, as crianças tinham, a partir desse momento, duas maneiras de pensar e resolver situações semelhantes.
Concluindo, situações como essas propiciam a aprendizagem, ativando áreas do córtex cerebral no transcurso dessa nova experiência de aprendizagem, pois refletem o contexto real, e, sendo novas, se ancoram em compreensões anteriores. São situações contextualizadas, pois permitem ao aluno acionar saberes já existentes, influenciando a consolidação de novas memórias. O professor tem um papel fundamental nessa perspectiva de trabalho , visto que é necessário conhecer o nível de conhecimento de cada aluno, pensar nas duplas produtivas de acordo com a Zona de Desenvolvimento Proximal (VIGOTSKY), tornando o ambiente da sala o mais propício possível ao aprendizado e planejar atividades que instiguem o cérebro dos alunos a recorrer a suas funcionalidades como ferramentas para chegarem ao resultado e à aprendizagem.
Ressalto que atividades como essas foram aplicadas a alunos com deficiência intelectual, adequando-as ao nível de aprendizagem, respeitando os limites de cada um, sendo o resultado igualmente positivo.
O trabalho com a Teoria das Situações em outras áreas de ensino tem promovido grandes avanços pedagógicos, possibilitando ao aluno entrar em contato com o objeto de conhecimento, acionando seus saberes e construindo conexões que o levarão a aprender dentro de seu potencial e de suas capacidades. A neurociência possibilita entendermos como essa Teoria age sobre o individuo de forma eficaz, estimulando a aprendizagem.
Citações e referências bibliográficas:

¹ Guy Brousseau, um dos pioneiros da Didática da Matemática Francesa, é professor aposentado do IUFM (Instituto Universitário de Formação de Professores), em Aquitaine e da Universidade Bordeaux 1, situados na  França. Ele ganhou A „Felix Klein Medal‟ da Educação Matemática em 2003, da Comissão Internacional de Instrução Matemática(ICMI), em reconhecimento a contribuição que tem tido sobre o desenvolvimento da educação matemática como um campo de investigação científica, no campo teórico, implementando esta investigação a estudantes e professores.

² CASTRO, Elisa. Memória e Aprendizagem – Aquisição e retenção de saberes. Mestrado Educação, 2004
³ “As situações de devolução, ação, formulação e validação caracterizam a situação a-didática, onde o professor permite ao aluno trilhar os caminhos da descoberta, não revelando ao aluno sua intenção didática, tendo somente o papel de mediador.  Estas fases  têm um componente psicológico favorável, pois engaja o aluno na sua própria aprendizagem e o predispõe a ser o coautor de seu processo de aprendizagem, dentro de um projeto pessoal do aluno em relação ao conhecimento. “ (Wagner Marcelo Pommer, SEMA – Seminários de Ensino de Matemática/ FEUSP – 2º Semestre 2008)

Um comentário:

  1. Confesso nunca vi o termo "Teoria das Situações" embora reconheça muito dessa teoria em muitas práticas já vivenciadas ou observadas e analisadas. Texto muito esclarecedor. Preciso ler "Memória e Aprendizagem _ Aquisição e retenção de saberes" na integra, deve ser ótimo. Obrigado.

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